A Ilha dos Amores
Simbologia do episódio
1-
Episódio de caráter simbólico. É expressa a vontade da deusa Vénus que
pretende premiar os heróis lusitanos, com um merecido descanso e com prazeres
divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano. Nesta ilha nada falta para
deleite dos sentidos e do espírito. A ilha é uma totalidade harmoniosa, onde se
conjugam os reinos mineral, vegetal, animal, humano e divino. Este mito da Ilha
dos Amores, narrado por Camões, é fruto da sua imaginação.
2-
O episódio representa a glorificação do povo português, a quem é
reconhecido um estatuto de excecionalidade.Tornam-se assim dignos de ombrear com
os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a
que pode aspirar o ser humano.
3-
Aqui se concretizam os medos proféticos de Baco, segundo o qual, em
consílio, chamando a atenção dos deuses, a chegada dos portugueses à Índia
constituiria grande risco para os deuses por se traduzir numa subversão de
valores: os deuses desceriam à condição de mortais e os homens elevar-se-iam à
dimensão dos deuses.
4-
Pode dizer-se que é o amor
que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra,
mas num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever,
o empenhamento total nas tarefas coletivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades,
todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que
permite a tantos libertar-se da “lei da morte”.
Pode aqui considerar-se também, o amor no sentido neoplatónico, encarado
como força capaz de ordenar o mundo.
Mitificação do Herói
. A ousadia do homem levou-o à conquista de terras e mares;
Por isso os homens são imortalizados, tornam-se deuses;
. Metaforicamente, a viagem de Vasco da Gama é a conquista da verdade ( Vasco da -Gama poderá comtemplar a “maquina do mundo”);
. Através do erotismo da ilha dos amores, os homens entram em comunhão com o divino;
. Assim, a ilha dos amores (olimpo simbólico) representa a essência da vida: o Amor e o conhecimento.
Texto de apoio
Os Lusíadas celebram os Portugueses
enquanto nação, coletividade. O poeta desenvolve uma história de Portugal como
epopeia, selecionando episódios e
figuras, de modo a salientar o carater heróico e exemplar da História,
cantando-a. Por outro lado, o poema tende à universalidade, louva não só os
Portugueses mas o homem em geral: a sua capacidade realizadora, de descoberta.
A empresa das descobertas é a grande prova dessas capacidades: a de se impor à
natureza adversa, de desvendar o desconhecido, de ultrapassar os limites
traçados pela cultura antiga e pelo conceito tradicional do homem e do mundo,
que estavam dogmatizados e eram difíceis de superar. Os Lusíadas celebram
a capacidade de alargar e aprofundar o saber; a realização do homem no que
respeita ao amor e, por fim, talvez o mais importante, o poder de edificar a
vida face ao destino, de não ser vítima da fatalidade, de se libertar e de
ser agente do seu próprio destino. Por
isso, um dos temas épicos consiste na comparação sistemática com os modelos
antigos, com o apogeu na divinização dos heróis.
Maria Vitalina leal de Matos, Tópicos para Uma Leitura de Os lusíadas, Editorial Verbo,
Lisboa, 2003
O Homem, «bicho da terra» tão pequeno, conseguiu conquistar o mar que o transcendia - espaço de transgressão -, vencendo as forças, personificadas pelos Deuses. Conseguiu isso pela ousadia, pelo estudo, pelo sacrifício, por querer superar-se a si próprio e ser «mais alto» e ir «mais longe». Os homens tornam-se deuses, fazendo cair do pedestal as antigas divindades. A recepção dos nautas pelas ninfas significa a confirmação dos receios de Baco: de facto, os navegantes cometeram actos tão grandiosos que se tornam amados pelos deuses; e, de certo modo, divinizam-se também. Temos aqui um mito construído com elementos da cultura greco- latina, mas elaborado para o efeito específico que o autor visa. Oue diz esse mito? Reconhece a importância excepcional do acontecimento nuclear do poema -a Viagem de Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. A viagem é física, humanista, geográfica e poética. A euforia leva à epopeia como forma elevada de imortalizar os heróis da aventura.
Mais do que explorar os mares, a viagem traduz em si mesma a contínua procura de verdade, pois é sempre mais belo viajar do que chegar. Desta viagem resulta a passagem do conhecido para o desconhecido, das trevas para a luz, de uma ideologia confinada para outras e diversas realidades. Os olhos dos eleitos que viram o raiar da aurora e a água pura das fontes ou que tiveram o privilégio de contemplar a «máquina do Mundo» exprimem a metáfora da luz numa nova época do conhecimento. O deslumbramento dos nautas pelo erotismo da «ilha» simbolizará também a necessidade de uma comunhão dos homens com o divino na procura da suprema harmonia.
Assim se consubstancia a narrativa que na Ilha dos Amores revelará ao mundo que a única via para o Futuro é o Amor e o Conhecimento. A superação advém dessa interiorização, dos perigos e contrariedades. «Vede» -depois de tantos e tantos perigos, chegámos aqui para voltar com o conhecimento. A descoberta verdadeira foi que o caminho marítimo (ou terreno) é através do Amor e do Conhecimento. O desconhecido torna-se conhecido e o mistério é desvendado, os nautas divinizados.
in Interações Texto Editora