https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/iliadap.pdf

                      Lianor, Leonor Leanor                                                                                    

 Descalça vai para a f onte,

Leanor pela verdura;

Vai fermosa, e não segura.

  A talha leva pedrada,


Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada, 
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.
Leva na mão a rodilha                                                                                                                           
Feita da sua toalha;
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.

As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.

Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal
Se vai ver na fonte pura  
Vai formosa e não segura. Francisco Rodrigues Lobo
Poema da auto-estrada

Voando vai para a praia                                    

     Leonor na estrada preta

     Vai na brasa de lambreta.


 

     Leva calções de pirata,

     Vermelho de alizarina

     modelando a coxa fina

     de impaciente nervura. 

     Como guache lustroso,

     amarelo de indantreno

     blusinha de terileno

     desfraldada na cintura.

 

     Fuge, fuge, Leonoreta.

     Vai na brasa de lambreta. 

     Agarrada ao companheiro

     na volu'pia da escapada

     pincha no banco traseiro

     em cada volta da estrada. 

     Grita de medo fingido,

     que o receio nao e' com ela,

     mas por amor e cautela

     abraça-o pelo cintura. 

     Vai ditosa, e bem segura.

 

     Como rasgão na paisagem

     corta a lambreta afiada,

     engole as bermas da estrada

     e a rumorosa folhagem. 

     Urrando, estremece a terra,

     bramir de rinoceronte,

     enfia pelo horizonte

     como um punhal que enterra. 

     Tudo foge 'a sua volta,

     o ceu, as nuvens, as casas,

     e com os bramidos que solta

     lembra um demonio com asas.

 

     Na confusão dos sentidos

     ja' nem percebe, Leonor,

     se o que lhe chega aos ouvidos

     sao ecos de amor perdidos

     se os rugidos do motor.

 

     Fuge, fuge, Leonoreta

     Vai na brasa de lambreta.

   Máquina de Fogo, 1961



                                                      Mote



Descalça vai para a fonte

Lianor pela verdura;

vai fermosa, e não segura.


Voltas


Leva na cabeça o pote,

o testo nas mãos de prata,

cinta de fina escarlata,

sainho de chamalote;

traz a vasquinha de cote,

mais branca que a neve pura;

vai fermosa, e não segura.


Descobre a touca a garganta,

cabelos de ouro o trançado,

fita de cor de encarnado,

tão linda que o mundo espanta;

chove nela graça tanta

que dá graça à fermosura;

vai fermosa, e não segura.


Luís de Camões