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Amor é fogo que arde sem se ver

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente, 

é dor que desatina sem doer. 


É um não querer mais que bem querer; 
é um andar solitário entre a gente; 
é nunca contentar-se de contente 
é um cuidar que ganha em se perder. 

É querer estar preso por vontade; 
é servir a quem vence, o vencedor; 
é ter com quem nos mata, lealdade. 

Mas como causar pode seu favor 
nos corações humanos amizade, 
se tão contrário a si é o mesmo Amor? 


 O soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver” representa uma tentativa de definir o Amor. 

Estrutura interna

1º momento: as duas quadras e o 1º terceto.

Nas duas quadras e no primeiro terceto, o poeta tenta defini-lo recorrendo a frases declarativas realçadas pela repetição anafórica do verbo ser. Contudo, a dificuldade que se adivinha na metáfora inicial "fogo que arde..." vai-se prolongando ao longo de todo o poema. A construção desta definição de Amor é conseguida, então, através de oxímoros (dói/ não se sente; contentamento/descontente; dor/sem doer ;não querer/bem querer; andar solitário/entre a gente; nunca contentar-se/contente; ganha/perder) que caracterizam os efeitos contraditórios do Amor. 

 As relações de oposição estabelecidas são reforçadas pela abundância de vocabulário com conotações negativas (sem, ferida, dói, não, descontente, dor, desatina, doer, não, solitário, nunca, perder, preso, servir, mata). Para além disso, a estrutura bipartida dos versos também realça essas relações de oposição e sublinha o efeito contraditório do amor (“é um fogo/ que arde sem se ver,”; “é ferida que dói,/ e não se sente;”; “é um contentamento/ descontente,”; “é dor que desatina/sem doer”.;”É um não querer/ mais que bem querer/; “é um andar solitário/ entre a gente”; “ é nunca contentar-se / de contente”; 2 “é um cuidar/ que ganha em se perder.”; “ É querer estar preso /por vontade; “é servir a quem vence/ o vencedor”; “é ter (...) lealdade /com quem nos mata”). 

 Estas características conduzem à circularidade do poema, que inicia e termina com a mesma palavra - “Amor”, e salientam a dificuldade de definir este sentimento, já anunciada na repetição do artigo indefinido “um”. 

2º momento: último terceto.

No último terceto, o poeta constata a impossibilidade de o homem se furtar ao Amor e às suas contradições, uma ideia-chave que é introduzida através da conjunção adversativa “mas” e que encerra com a interrogação retórica - “como causar pode seu favor/nos corações humanos amizade, /se tão contrário a si é o mesmo Amor?”- significativa do espanto e perplexidade do sujeito poético perante a dimensão do Amor. 

Tal como Petrarca, o poeta refere os efeitos contraditórios do Amor, concluindo da impossibilidade de o descrever, por isso o soneto começa e termina com a mesma palavra.