1. ASSUNTO:
Dentro do mesmo ciclo – o da menina dos olhos verdes – este é um dos poemas mais recordados.
Um dos processos do estilo engenhoso consiste em coisificar uma qualidade do objeto tratado, o que será muito característico da poesia concetista do séc. XVII e havia já sido denunciado no realismo idealista de Platão. Sendo assim, para o Poeta como para o Filósofo, para quem as coisas são reflexos e efeitos dos arquétipos que estão no Sumo Bem essencializados, os cabelos não são louros, mas sim ouro em fio; as faces não são rosadas, mas rosas; e os olhos não são verdes, mas a própria verdura e a origem.
Este será o motivo por que as ervas que alimentam o gado pelos campos são graças dos olhos da sua amada e lembranças do seu coração.
2. ATENTE:
a) No ritmo simétrico dos primeiros quatro versos, com que se inicia a primeira volta, em que ambas as prótases (primeira parte da frase / período) e apódoses (segunda parte da frase / período) se assemelham em extensão, respetivamente, seguido do ritmo assimétrico entre os quatro últimos, em que existe também um paralelismo semântico (d’ervas / das lembranças):
Campo /, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas /, que nela
vosso pasto tendes;
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão /,
e eu / das lembranças
do meu coração.
b) No jogo semântico, ainda na primeira volta, feito com palavras - rima com palavras da mesma família (tendes / mantendes, esta última omitida por elipse, no penúltimo verso).
c) No trocadilho no fim da segunda volta, em que a repetição intensificativa do advérbio de negação lhe dá uma certa graça, acrescentada ainda pelas rimas em /-do/, de tom madrigalesco.
d) Na interpelação apostrófica e alegórica do campo, das ovelhas e do gado, que formam os elementos constituintes de um fundo pastoril e campestre que ressalta de toda a composição.
3. CLASSIFICAÇÃO DA COMPOSIÇÃO E ESQUEMA RIMÁTICO: cantiga em redondilha menor, com mote alheio de quatro versos e duas voltas de oito, segundo o esquema rimático ABCB / deeddBfB (na segunda volta os três últimos versos repetem a rima dos três últimos do mote), isto é, há rima cruzada no mote (que tem dois versos soltos), emparelhada, cruzada e interpolada nas voltas (onde há um verso solto).
BRAGANÇA, António (1981). Textos e comentários, adaptado.