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A Lírica de Camões

  

                                                                                                                   

 Sonetos  

 Um mover de olhos...

A formosura desta fresca serra...

Alegres campos, verdes arvoredos

Amor é fogo que arde

Mudam-se os tempos...

Erros meus, má fortuna...~

Sete anos de pastor...

Aquela triste e leda...

 

Poesia de inspiração tradicional e renascentista


                                    🔰

                             
                            
                           


A formosura desta fresca serra
E a sombra dos verdes castanheiros
O manso caminhar destes ribeiros
Donde toda a tristeza se desterra.
                                      

                                                                 O rouco som do mar, a estranha terra,
                                                                 O esconder do sol pelos outeiros,
                                                                 O recolher dos gados derradeiros,
                                                                  Das nuvens pelo ar a branda guerra.
;

                                                                                                                                                                                                                                                                                                 
                                                                       Enfim, tudo o que a rara Natureza
                            Com tanta variedade nos oferece
                                Me está, se não te vejo, magoando
                                                  
                                                  Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
            Sem ti, perpetuamente estou passando,
                                                  Nas mores alegrias, mor tristeza                                                                   

 


1.Soneto inspirado na saudade, «porventura o mais doce, expressivo e delicado termo da nossa língua» — no dizer de Almeida Garrett. As belezas daquela «estranha terra» extasiam o sujeito poético. No entanto, sem a presença da amada, ele sente a maior «tristeza» no meio das maiores «alegrias». Com efeito, estas últimas apenas servirão para o magoar, já que a (re)visão da Natureza fascinante apenas despertará nele recordações da amada, mas, na sua ausência, tudo o que é belo na Natureza o «enoja» e o «aborrece».


2. Há dois momentos que estruturam o poema. Na primeira, correspondente às quadras, faz-se uma descrição da paisagem, em frases  nominais e de forma objetiva, fluente e espontânea. Na segunda, formada pelos tercetos, são exteriorizados estados de alma subjetivos (
magoar / enojar / aborrecer / passar tristezas).

 

3. Destaque para os grupos preposicionais do último verso do segundo terceto («nas mores alegrias, mor tristeza...»), em que o primeiro está ligado, quanto ao sentido, às duas quadras e o segundo («mor tristeza») ao primeiro terceto.

 

4. Visão estática da Natureza (exceção feita ao «manso caminhar» dos ribeiros, ao «esconder do sol», ao «recolher dos gados» e à «branda guerra».

 

5. A visão intelectualizada da  Natureza, conforme o modelo clássico, em que é ressaltada, em primeiro lugar, a caraterística do elemento enunciado, através de um nome ou infinitivo substantivado (a fermosura / a sombra / o caminhar o som / o esconder / o recolher / a guerra), seguidos da preposição de e quase sempre acompanhados do respetivo modificador.

 

6. O pronome indefinido "tudo" no primeiro verso do primeiro terceto com que, após a visão analítica da paisagem, se inicia a síntese: a raridade e a variedade da Natureza são os seus dois atributos principais da Natureza que o magoam, caso não veja a amada.

 

7. Intensificação semântica - o prolongamento da dor e seu aprofundamento evidenciados no último terceto com o recurso à anáfora («sem ti... sem ti»); a antítese («alegrias... tristezas»); o advérbio de modo («perpetuamente»); e do complexo verbal aspetual  («estou passando»), a sugerirem o estado permanente  de tristeza do eu lírico perante a ausência da mulher amada.

 

8. Esquema rimático: ABBA / ABBA / CDE / DEC, com rimas interpolada e emparelhada, nas quadras; interpolada e cruzada, nos tercetos; consoante e feminina ou grave, em todo o poema.


-Um mover de olhos...
Um mover de olhos...

 ASSUNTO: O poeta expõe, à maneira petrarquista e em série descritiva, os atributos morais e psicológicos da mulher que «pôde transformar-lhe o pensamento»: brandura, piedade, honestidade, humildade, modéstia, bondade, retraimento, serenidade, paciência e mansidão. Trata-se, portanto, de um retrato idealizado, indefinível, mais próprio de quem está no Céu do que de quem vive na Terra.

 

Estrutura interna:


a) duas partes lógicas em que pode ser dividido o discurso: a primeira correspondente às duas quadras e ao primeiro terceto e a segunda, ao último terceto, no qual o demonstrativo introduz o efeito d
e síntese.

b) predomínio da frase nominal, já que em toda a composição os sintagmas verbais estão reduzidos ao mínimoo que traduz sobriedade de construção sintática e grande precisão de ideias.


c)  intensificação expressiva conseguida pela reiteração do determinante indefinido, seguido de nome e de modificador, exprimindo simultaneamente a imprecisão e o mistério, tentando concretizá-los.


)  intensificação expressiva conseguida pela reiteração do determinante indefinido, seguido de nome e de modificador, exprimindo simultaneamente a imprecisão e o mistério, tentando concretizá-los.


d)  modificadores que ora apresentam caraterísticas psicológicas (
brando / forçado / doce / duvidoso / quieto / vergonhoso / gravíssimo / gracioso / encolhido / sereno / longo), ora apontam para qualidades morais (piedoso / honesto / humilde / modesto / pura / limpo / sem ter culpa - inculpável - / obediente) que nos fazem recordar a dama das Cantigas de Amor.


e) poder expressivo das expressões-chave do discurso:
«celeste fermosura /or traduzir a beleza espiritual da amada - manifesto indício da alma; depois, no último terceto, rápido e oscilatório com o propósito de manifestar claramente a alteração do pensamento do eu lírico e sua causa: «Esta foi a celeste fermosura / da minha Circe e o mágico veneno / que pôde transformar meu pensamento».


ESQUEMA RIMÁTICO: ABBA / ABBA / CDE / CDE, com rimas interpolada e emparelhada, nas quadras; interpolada, nos tercetos; consoante ao longo de toda a composição .