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Capítulo III – Louvor das virtudes dos peixes em particular-virtudes/efeitos

 

O peixe de Tobias

 

O fel cura a cegueira do pai de Tobias

- o coração expulsa os demónios


 

A Rémora

 

Pequena/grande na força e no poder

• pega-se ao leme de uma nau

• prende a nau e amarra-a

 

O Torpedo

pequeno/produz energia que utiliza como defesa

 

• faz tremer o braço do pescador

• não permite pescar

 

O Quatro-Olhos

Dois olhos olham para cima, dois olhos, para baixo

• defende-se dos peixes

• defende-se das aves


Comparação (amplificação)

peixe de Tobias

Santo António

• alumia e cura as cegueiras dos ouvintes -se os homens aproveitassem a pregação-

• purifica as almas

Rémora

Santo António

• a língua de S. António domou os ímpetos do livre arbítrio e a fúria das paixões humanas que se sobrepõem á razão

Torpedo

Santo António

• 22 pescadores tremeram ouvindo as palavras de S. António e converteram-se

Quatro-Olhos

o pregador

• o peixe ensinou o pregador a olhar para o Céu (para cima) e para o Inferno (para baixo)

RECURSOS ESTILÍSTICOS

O pregador usa o imperativo, a repetição anafórica, a frase exclamativa, a apóstrofe, a ironia ("Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes!").

 A língua de Santo António teve a força de dominar as paixões humanas, guiando a razão pelos caminhos do bem; foi o freio do cavalo porque impediu tantas pessoas de caírem nas mais variadas desgraças.

A língua de Santo António foi a rémora dos ouvintes enquanto estes ouviram; quando o não ouvem, são atingidos por muitos naufrágios (desgraças morais).

 

·       Anáfora: Ah homens… Ah moradores… Quantos, correndo… Quantos, embarcados… Quantos, navegando… Quantos na nau… Visa atingir o coração dos ouvintes; Gradação:  "passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador." A intenção é sempre uma intensificação crescente ou decrescente.

·       Antítese: mar/terra, para cima/para baixo, Céu/Inferno. Palavras de sentido oposto indicam as duas direções do sermão: peixes - homens, bem - mal.

·       Comparação: "… parecia um retrato maritimo de Santo António"; o peixe de Tobias, com um burel e uma corda, seria uma espécie de Santo António do mar: as suas virtudes igualam as do Santo. "… unidos como os dois vidros de um relógio de areia,": o peixe Quatro-Olhos tinha ampla visão e precisão.

·       Metáfora e quiasmo: "… águias, que são os linces do ar; os linces, que são as águias da terra": a traduzir o sentido de rapidez e de visão excepcional.

Conclusão:

1-      os homens pescam (pecam, exploram, roubam...) muito e tremem pouco (temem, consciencializam-se);

2-      "Se eu pregara aos homens e tivera a língua de Santo António, eu os fizera tremer." (O verbo pescar é também metáfora de guerra; crítica aos holandeses.);

3-       "… se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo". Os peixes são o sustento dos membros de várias ordens religiosas. Há peixes para os ricos e peixes para os pobres. Esta distinção tem por finalidade criticar a exploração dos ricos sobre os pobres.

Os peixes em geral

 

«(…) ajudais a ir ao Céu e não ao Inferno, os que sustentam de vós.»

 

 Servem de alimento:

 As sardinhas: sustento dos pobres;

 Os solhos e os salmões: sustento dos ricos;

 Ajudam à abstinência nas Quaresmas (ao jejum);

 Sustentam as Cartuxas (ordem religiosa da Cartuxa), os Buçacos (ordem

religiosa que estava instalada nas matas do Buçaco) e as famílias;

 Com peixes, Cristo festejou a Páscoa;

 Ajudam a ir ao Céu;

 Multiplicam-se rapidamente (aquele que são consumidos pelos pobres).

 

 Capitulo IV - Este capítulo pertence ainda à Confirmação, pelos argumentos apresentados, pela crítica aos comportamentos, pela censura à prepotência dos grandes, pela crítica aos homens ambiciosos, vaidosos, hipócritas e traidores.

 (confirmação exposição do tema, das ideias e seu desenvolvimento)

 

As repreensões em geral

 

«Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores,

ouvi também agora as vossas repreensões.»

 

 Os peixes, aassim como ouviram as suas qualidades (ouvem e não falam),

irão agora ouvir as repreensões:

1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os

pequenos.

2. Ignorância e cegueira.

 

 A crítica e a repreensão aos peixes para melhor explicitar a condenação

dos homens:

Aspetos criticados: a «antropofagia social»; a «vaidade no vestuário».

 

1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos.

A crítica à prepotência dos grandes que «se alimentam» do sacrifício dos

mais pequenos, tal como os peixes.

 

 As repreensões  dirigidas aos peixes:

- «Vos comeis uns aos outros»;

- «Que os grandes comem os pequenos».

 

 Os homens: também «se comem uns aos outros».

 

 A aproximação do orador com Santo António.

 

 O que é condenável nos homens:

- «Tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer, e como

se hão-de comer»;

- «Comem-no os herdeiros», os testamenteiros, os legendários, os

credores; os oficiais dos órfãos, e dos defuntos e ausentes; o médico,

(…);

- «Enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda

a terra».

 

Momentos essenciais:

 1ª Parte: crítica e repreensão aos «peixes» grandes que comem os pequenos

 

 2ª Parte: o escândalo: afinal os homens também se comem uns aos outros

(«Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-

lo. Comem-no os herdeiros…»)

 

 3ª Parte: escândalo, horror e crueldade maior: «também os homens se comem

vivos assim como vós».

 

2. Ignorância e cegueira

 

 Caracterização do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita,

ambicioso, hipócrita, traidor…

 

 As virtudes e os defeitos dos peixes surgem sempre associados, por

comparação, aos homens do Maranhão:

- Ora por contraste, opondo os peixes aos homens;

- Ora por semelhança, identificando os peixes com os homens.

 

O peixe:

 

O peixe é facilmente enganado (pela ignorância e pela cegueira) por um anzol e

«um pedaço de pano cortado e aberto em duas ou três pontas» porque «arremete cego a ele

e fica preso e boqueando, até que, assim suspenso no ar, ou lançado no convés, acaba de

morrer»; «quanto me lastima em muitos de vós é aquela tão notável ignorância e cegueira»

(ignorância – porque não entende o significado do pano; cegueira - porque se atira

cegamente e fica preso).

 

O Homem:

 

«Um homem do mar com uns retalhos de pano»; «quatro panos e quatro sedas»; «cada vez sobe mais o preço»; (…) e os homens «bonitos, ou os que querem parecer» não conseguem resistir á tentação e à vaidade, ficando por isso, «engasgados e presos, com dividas de um ano para o outro, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida». Ou seja, os homens endividam-se por causa de um «triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o ano».

 

Santo António

 

Os homens (pela vaidade) e os peixes (pela ignorância e pela cegueira) eram facilmente enganados e «perdiam a sua vida». Santo António abandonou as vaidades e, com as suas roupas simples e as suas palavras, «pescou muitos homens» para o bom caminho.

 

 A imaginação barroca procura a alegoria para o desenvolvimento das

ideias e para estabelecer a passagem entre a razão e a realidade, o mundo

humano e o divino, o material e o espiritual.

 

 Elementos que a nível do estilo e da linguagem valorizam este texto

argumentativo: a antítese e a adjectivação oxímora; a anáfora; as

comparações e alusões metafóricas; o paralelismo anafórico; a

expressividade das hipérboles; as apostrofes e as exclamações; as

interrogações retóricas; a clareza e a precisão; o ritmo da frase; as

enumerações; as imagens bíblicas; (…)

 

Capítulo 5

 

Confirmação (exposição do tema, das ideias e seu desenvolvimento).

As repreensões em particular

A crítica aos peixes (e aos homens) prossegue, “descendo agora ao particular”.

 

Os vícios:

 Roncador (os soberbos e os arrogantes…): a acumulação de argumentos…;

 Pegador (os parasitas…): quando morre o tubarão, também os pegadores

morrem…;

 Voador (os ambiciosos, os presunçosos, os caprichosos…

 

Capítulo IV

Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador apela aos conhecimentos dos ouvintes, dando exemplos concretos. Cita frequentemente a Sagrada Escritura, em que se apoia.

As conclusões são implacáveis, pois resultam da lógica da argumentação.

O ritmo é variado: lento, rápido e muito rápido.

- frases  longas,  ritmo  repousado;

- frases  curtas, quando se usam sucessivas anáforas nessas frases, o ritmo torna-se vivo, como acontece nos exemplos do defunto e do réu.

Uma das características do discurso de Vieira é a mudança de ritmo, que prende facilmente os ouvintes.

 A repetição da forma verbal "vedes", que deverá ser acompanhada de um gesto expressivo, serve para criar na mente dos ouvintes (e dos leitores) um forte visualismo do espectáculo descrito.

O uso dos deíticos demonstrativos tem por objetivo localizar os atos referidos, levando os ouvintes a revê-los nos espaços onde acontecem. A substantivação do infinitivo verbal está também ao serviço do visualismo. O verbo deixa de indicar ação limitada para se transformar numa situação alargada.

Há uma passagem semelhante no momento em que o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular: "Não vedes que contra vós se emalham…".

O orador expõe a repreensão e depois comprova-a como fez com a primeira repreensão: dá o exemplo dos peixes que caem tão facilmente no engodo da isca, passa em seguida para o exemplo dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. A crítica à exploração dos negros é cerrada e implacável. Conclui, respondendo à interrogação que fez, afirmando que os peixes são muito cegos e ignorantes;  apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, fazendo-se pobre e simples, e assim pescou muitos para salvação.

Capítulo V

Peixes

Defeitos

Argumentos

Exemplos de homens

Os Roncadores

soberba

orgulho

pequenos mas muita língua; facilmente pescados

os peixes grandes têm pouca língua

muita arrogância, pouca firmeza

Pedro

Golias

Caifás

Pilatos

Os Pegadores

parasitismo

vivem na dependência dos grandes, morrem com eles

os grandes morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido

Toda a família da corte de Herodes

Adão e Eva

Os Voadores

presunção

ambição

foram criados peixes e não aves

são pescados como peixes e caçados como aves

morrem queimados

Simão mago

O Polvo

traição

ataca sempre de emboscada porque se disfarça

Judas

Comparação entre os peixes e Santo António

Peixes

Santo António

Os Roncadores: soberbos e orgulhosos, facilmente pescados

tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre

Os Pegadores: parasitas, aduladores, pescados com os grandes

pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal

Os Voadores: ambiciosos e presunçosos

tnha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre

O Polvo: traidor

Foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira

A alegoria do POLVO:

 

1-      As comparações sugeridas pela aparência do polvo:

 «Com aquele seu capelo na cabeça parece um Monge» (serenidade, santidade, mansidão);

 «Com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela» (beleza);

 «Com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão»

No entanto , apesar desta «aparência tão modesta, ou desta hipocrisia

tão santa», o polvo é o maior traidor do mar.

 

2-      Em que consiste esta traição do polvo?

 «As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia»;

 «As figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício»;

 O polvo veste-se ou pinta-se «das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado»: As cores do Polvo

Se está nos limos Faz-se verde

Se está na areia Faz-se branco

Se está no lodo Faz-se pardo

Se está em alguma pedra Faz-se da cor da mesma pedra.

Resultado da traição: o peixe «vai passando desacautelado» e o

polvo «lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro».  

 

A expressão "aparência tão modesta" sugere a aparente simplicidade e inocência do polvo, que esconde uma terrível realidade (ironia). O orador usa a ironia. A expressão "hipocrisia tão santa" constitui um paradoxo: a santidade exclui a hipocrisia; o polvo apresenta ar de santo, tem a máscara ( em grego, hipócrita),  finge-se inofensivo mas engana: faz-se da cor do local ou dos objetos onde se encontra.

No camaleão, o disfarce é um artifício de defesa contra os agressores, no polvo é um artifício de ataque dos peixes mais desprevenidos.

O orador refere a lenda de Proteu para contrapor o mito à realidade: Proteu metamorfoseava-se para se defender de quem o perseguia; o polvo, ao contrário, usa essa qualidade para atacar.

-Os deíticos demonstrativos contribuem para o visualismo .

-A anáfora, repetição da mesma palavra em início de frase, marca o ritmo, insiste no mesmo visualismo.

- A forma"vai passando" ,complexo verbal aspetual, exprime a forma despreocupada dos outros peixes que lentamente passam pelo local onde se encontra o traidor;

- O imperativo "Vê" - interpelação direta ao polvo, tornando o discurso mais vivo.

 

O polvo nunca ataca frontalmente, mas sempre à traição: começa por enganar  fazendo-se das cores onde se encontra; depois, ataca as vítimas.

- Variedade de ritmos.

Semelhanças entre Judas e o polvo: a traição. Ambos foram vítimas deste defeito.

Diferenças entre Judas e o polvo: Judas abraçou Cristo, outros o prenderam; o polvo abraça e prende. Judas consumou a traição à luz das lanternas; o polvo escurece-se, roubando a luz para que os outros peixes não vejam as suas cores. A traição de Judas é inferior à do polvo.

Capítulo VI

Peroração: conclusão com a utilização de um desfecho forte, capaz de impressionar o auditório e levá-lo a pôr em prática os ensinamentos do pregador.

Animais/Peixes

Peixes

Homens

foram escolhidos para os sacrifícios

estes podiam ir vivos para os sacrifícios

ofereçam a Deus o ser sacrificado

ofereçam a Deus o sangue e a vida

não foram escolhidos para os sacrifícios

só poderiam ir mortos. Deus não quer que Lhe ofereçam coisa morta

ofereçam a Deus não ser sacrificados

ofereçam a Deus o respeito e a obediência

os homens também chegam mortos ao altar porque vão em pecado mortal. Assim, Deus não os quer.

O orador quer que os homens imitem os peixes, isto é, guardem respeito e obediência a Deus. Numa palavra, pretende que os homens se convertam (metanóia).

Orador

Peixes

tem inveja dos peixes

ofende a Deus com palavras

tem memória

ofende a Deus com o pensamento

ofende a Deus com a vontade

não atinge o fim para que Deus o criou

ofende a Deus

• têm mais vantagens do que o pregador

• a sua bruteza é melhor do que a razão do orador

• não ofendem a Deus com a memória

• o seu instinto é melhor que o livre arbítrio do orador; não falam; não ofendem a Deus com o pensamento; não ofendem a Deus com a vontade; atingem sempre o fim para que Deus os criou

• não ofendem a Deus

As interrogações têm por objectivo atingirem preferencialmente a inteligência, enquanto as exclamações visam mais o sentimento dos ouvintes. As repetições põem em realce o paralelismo entre o orador e os peixes; as gradações intensificam um sentido.

A repetição do som /ai/ (11 vezes) cria uma atmosfera sonora cada vez mais intensa e optimista; a repetição das palavras "Louvai" e "Deus" apontam para a finalidade global do sermão: o louvor de Deus, que todos devem prestar. O verbo no imperativo realiza a função apelativa da linguagem: depois de ter inventariado os louvores e os defeitos dos peixes/homens, não poderia deixar de apelar aos ouvintes para que louvem a Deus. A escolha do hino Benedicite cumpre fielmente esse objectivo, encerrando o Sermão com um tom festivo, adequado à comemoração de Santo António, cuja festa se celebrava. A palavra Ámen significa "Assim seja", "que todos louvem a Deus". O quiasmo realizado na colocação em ordem inversa das palavras glória graça sugere a transposição dos peixes para os homens: já que os peixes não são capazes de nenhuma dessas virtudes, sejam-no os homens. Sugere também uma mudança: a conversão, porque só em graça os homens podem dar glória